bocca chiusa
(com Lea van Steen) _ 2021
Qual é o lugar da memória na história? Como determinar o que é da ordem do conhecimento histórico? A história deve ser celebrada ou esquecida? O que fazer com o desencontro entre os fatos e as verdades, entre a verificação e a compreensão. A questão é: a discrepância entre o genérico e o singular; a diferença entre o inesquecível, o fato e a memória recuperada.
As pesquisas e regras de documentação histórica acerca do ocorrido com os judeus poloneses já estão estabelecidas, mas o que fazer com o que escapa? Como documentar o que está fora destas regras?
Frente a tais inquietações, a documentação de relatos, memórias e histórias daqueles que, assim como eu, se relacionaram ou se relacionam com esse passado recente, adquire relevância histórica. É inegável o significado histórico da palavra escrita ou oral e o impacto social da memória, dos testemunhos e dos relatos nesse caso orais.
Além de uma motivação historiográfica-social, me implico em primeira pessoa na obra boca fechada. Visto que, relaciono-me com meus antepassados poloneses mediante relatos fragmentados. Meus pais falavam daquilo e daquele lugar que lhes era muito familiar e que, em sua familiaridade, me causava estranhamento. No decorrer da vida, aqueles relatos familiares passaram a me habitar, operando em via dupla: ora como dispositivo de corte e distanciamento (narrativas fragmentadas intermediadas, de um tempo e espaço, para mim, desconhecidos); ora como dispositivo de construção afetiva e subjetiva (a história sentimental, profunda, pessoal deles, minha, nossa.). Nessa dupla condição e inquietação, decido viajar a Polônia com Lea van Steen (parceira de vários trabalhos) em busca daquelas narrativas fragmentadas, entrevistamos aqueles que, assim como eu, relacionaram-se e relacionam-se, com o que escapa da historia oficial – cada um deles se compreendendo de maneiras e pontos de vistas completamente pessoais.
boca fechada vídeo 2021 Raquel Kogan / Lea van Steen
Bocca chiusa é um termo em italiano, que significa cantar com a boca fechada, transferindo a ressonância para a região nasal.
Vídeo composto por trechos de entrevistas, realizadas no mês de outubro 2017; registrados em áudio os relatos de 3 poloneses residentes no país.
As narrações são legendadas e entremeadas por imagens atuais de locais da cidade de Bedzin, onde foram feitas as entrevistas. Por tratarem-se de imagens caladas pelo tempo, que contam por sussurros, são acompanhadas por uma trilha sonora cantarolada em bocca chiusa. A fala e a canção se entrelaçam desvelando o impacto nas pessoas pela história recente de parentes, companheiros de trabalho ou de desconhecidos. Essas entrevistas são apenas ouvidas com os trechos falados dos entrevistados. Não sabemos a identidade daquele que nos conta os fatos.
Lançando mão de uma narrativa poética, o vídeo visa registrar e problematizar os relatos esquecidos, calados na memória pessoal ou histórica.
What is the place of memory in history? How to determine the order of known history? Should history be celebrated or forgotten? How do we deal with the discrepancy between the facts and the truth, between verification and understanding. The question is the discrepancy between the generic and the singular, the difference between the unforgettable, the fact and recuperated memory.
Research and rules of historical documentation surrounding what occured to the Polish Jews have already been established, but what do we do with that which has escaped? How to document what goes beyond these rules?
In the face of such restlessness, the documentation of reports, memories and stories of those whom, like I, related and relate with this recent past, acquire historical relevance. The historical significance and the social impact of the memory of the witnesses and the oral stories of these crimes against humanity is undeniable. In this sense, the understanding and the possible outcome of this type of documentation has great contemporary relevance.
Besides the historical-graphical-social motivation, I involve myself in the first person in the Project “Closed Mouth”. Being that I identify with my Polish ancestors through their fragmented stories. My parents spoke of their memories and that place which was very familiar to them and which, in their familiarity, made me feel strange. Throughout life, those familiar stories began to reside in me, working a double path: first as a cutting and distancing agent (intermediate fragmented narratives, of a time and space, which, to me, were unknown); then as an affective and subjective building apparatus (the sentimental, profound, personal to them, to me and us). In this double condition and restlessness, I have decided to invite film-maker Lea van Steen to co-direct a vídeo and we traveled in search of those fragmented narratives, interviewing those who, like I, related and relate, with that which escapes the official history – each one of them relating and understanding in completely personal points of view.
bocca chuisa video 2021 Raquel Kogan / Lea van Steen
Bocca chiusa is an Italian term for singing with the mouth closed, transferring the resonance to the nasal region.
The video will be composed by passages of interviews, held in October 2017; the audio reports of 3 Polish people living in the country.
The narrations are subtitled and interspersed with current images of locations in the city of Bedzin, where the interviews took place. As they are images silenced by time, that is count in whispers, they are accompanied by a soundtrack hummed in bocca chiusa. Speech and song intertwine, unveiling the impact on people through the recent history of relatives, co-workers or strangers.
Stories and memories of three Pollacks living in Poland were registered and recorded. In these interviews, we sought to rescue that which had escaped official history, investigate how the events of terror and the linking or unlinking of the relatve memory of said events impacted and reflected in the transformatiion of the three Polish lives we interviewed and the community in which they live. These interviews are only heard with the excerpts spoken by the interviewees. We don't know the identity of the one who tells us the facts.
Making use of a poetic narrative, the video aims to record and problematize forgotten accounts, silent in personal or historical memory. In the video bocca chuisa what we hear cannot be seen, only heard and what we see cannot be heard, only seen.